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domingo, 28 de outubro de 2007

Amor Anônimo

Você sempre aparecia perto das 19 horas na estação de metrô. Eu ficava lhe observando. Notando a forma sútil como você mexia em seus cabelos, ou retocava o batom cor cereja. Seus lábios pareciam ser desenhados por Da Vinci, de tão perfeitos. A tonalidade dourada de seus fios ganhavam mais vida com a delicadeza dos traços de seu rosto. Um corpo talhado na mais bela mão de um artesão, compunham uma mulher deslumbrante.
Você nunca deve ter percebido os meus olhos tristes e tímidos lhe observando, desde sua chegada até a sua partida.
Esperava todos os dias ansioso por sua chegada. Não sei como explicar, mas, você me salvava todos os dias, era como se eu tomasse uma dose diária do remédio vital.
Eu sempre quis ter coragem de dizer um simples 'olá'. Mas a timidez sempre colocou-me em meu devido lugar.
Eu não sou o estereótipo de homem bonito, inteligente e com dinheiro. Talvez você não se importasse com isso, mas nunca quis arriscar.
Sei tudo (ou quase) de sua vida, porque várias vezes entrei no mesmo vagão, que ia em direção contrária a minha humilde casa, mas eu queria saber um pouco mais de você.
Uma mulher com uns vinte quatro a vinte cinco anos, linda, trabalha numa repartição pública, mora sozinha em um apartamento que parece ser aconchegante, não tem filhos, não é casada e nem tem namorado.
Tudo perfeito, mas a minha covardia sempre falou mais alto. Então, me contentava em ficar lhe observando. Você sempre sozinha e com um olhar que parecia pedir socorro. E por que eu nunca lhe estendi a mão?
Covarde, como sempre um tremendo covarde, eis o que sou.

Os fins de semana eram torturosos para mim, por que não podia ficar lhe contemplando na plataforma do metrô, então eu ficava escondido, rezando para que você saísse por aquela portaria e fosse ao supermercado ou na padaria. Às vezes eu obtinha alguma sorte, mas na maioria dos finais de semana você não saia nem na sacada. Como meu coração doía.
Os poucos que sabiam desse meu amor platônico diziam que eu estava obcecado.
Não! Isto não era obsessão, era apenas um amor puro demais que a minha timidez impedia de ser vivido.

***

No último fim de semana do mês de Maio tive que ir visitar minha mãe, pois o médico lhe dera apenas alguns dias de vida. E no Domingo perdi àquela que me amava de forma pura e natural.
Voltei no fim da tarde para a capital faltando um pedaço de meu coração, e só aquela linda mulher poderia amenizar um pouco de toda aquela dor. Esperaria então, o novo dia raiar e as horas passarem, para que, a noite eu pudesse deslumbrar com a doce presença de minha amada.
Já passavam de 19:20 e nada de minha bela com lábios cor cereja aparecer. Esperei ate às 21:30, e quando percebi que ela não apareceria, deixei a plataforma e direcionei-me para a minha.
Será que ela estava doente??? Por isso não aparecera??? Ou será que ela saiu com algum colega de trabalho?
Essa última hipótese fez meu rosto enrubrecer de raiva. E, com inúmeras perguntas, fui para casa.
No outro dia esperei novamente e nada.
No terceiro dia consecutivo de sua ausência, resolvi ir até o seu apartamento. Estava tudo escuro. Fiquei parado à distância por quase uma hora e nada. Num impulso, atravessei a rua e toquei o interfone. O porteiro de cabelos grisalhos atendeu-me:
- Pois não senhor?
- Boa noite, sei que já é tarde, mas preciso de uma informação.
- Diga, se eu puder ajudá-lo.
- Bom, é que eu sou novo na repartição publica da Rua Augusta e sei que tem uma moça que trabalha comigo e mora no terceiro andar.
- Sim senhor.
- Então, notei que ela não está indo trabalhar a três dias e fiquei preocupado, então uma amiga disse que ela morava aqui.
(Como eu poderia dar uma desculpa tão idiota como essa??? Mas foi o que veio em minha mente na hora)
- Desculpa senhor, mas não é possível que não saiba.
- O que?
- Ela mudou-se sábado. Vai se casar no fim do mês na cidade de Teresópolis.
- Mas como?? Quer dizer, eu não sabia que ela tinha namorado.
- Ah, ela sempre fora muito tímida, então dizem que conheceu um rapaz pela tal de internet, encontraram-se algumas vezes e agora vão casar. Esse mundo moderno.
O velho porteiro continuou falando, mas eu não ouvia mais nenhuma palavra. Deixei-o falando sozinho e caminhei rumo à estação.
Acabava de perder minha amada que nem ao menos sei o nome, pra alguém que nem sei quem é.

domingo, 21 de outubro de 2007

Melancolia regada com Antes das Seis

- Me perdoe Fred, mas não podemos mais ficar juntos. Acabou!
Minha mente não conseguia ‘digerir’ aquelas palavras que saltavam de uma boca que beijei por quatro anos.
Ela guspia aquelas expressões sórdidas com tanta simplicidade, como se não houvesse nenhum sentimento em seu atual coração glacial.
Tentei acompanhar sua linha de raciocínio, mas aquela peça teatral não estava em meus planos culturais.
- Fred, por favor, não faça essa cara de fim de mundo.
- Ana, você está dizendo que não me ama mais?
- Sinto muito Fred.
- Não venha com “sinto muito”, quero uma resposta clara, você não me ama mais? É isso Ana?
- Não, eu não lhe amo mais Fred. Estamos muito tempo juntos e isso veio provar a mim que não somos feitos um para o outro.
Tudo a minha volta começou a girar, o mal-estar jogou minhas lágrimas ao chão. Meu mundo desabara.
Como alguém que eu amo tanto pode desferir uma punhalada dessa a sangue frio? Olhava para aquele rosto meigo e não conseguia vê-la com uma máscara horripilante, jogando nosso amor num abismo.
Em segundos, uma vida de quatro anos passou ligeira diante meus olhos. O meu coração sentia cada momento como as suas últimas batidas. Aquilo tudo só poderia ser um pesadelo.
- Não, isso não pode ser verdade. Ana, preste atenção, eu te amo. Você sabe disso, nós sabemos. Sim, nós nos amamos, desde o primeiro dia em que nos vimos. Você deve estar confusa, somente isso. Olha, vou lhe dar um tempo para que você possa pensar direitinho.
- Fred, eu já pensei e por isto estou aqui conversando com você. Somos pessoas adultas, por favor, não faça isso uma tempestade num copo d´água.
- Eu estou falando do nosso amor, do que sonhamos juntos e não de um casalzinho qualquer.
- Eu sei disso, mas somos humanos como qualquer casalzinho. Eu sou humana Fred, acho que você esqueceu isso. Eu preciso viver a minha vida sem colocar você nela.
Ela queria viver a vida dela sem mim, mas não foi isso que planejamos. Onde ela colocou nossos planos, desenhados em várias tardes ensolaradas e chuvosas? Onde foram parar nossa casa, nossos filhos, nossos domingos em família e até os cachorros com nomes engraçados?
- Você gosta de outro?
- Não, e vai demorar muito para me apaixonar novamente.
Se ela demoraria muito para se apaixonar novamente, eu não iria nunca mais cultivar essa dor chamada amor. Meu coração morrera naquele instante.

Preferi abaixar a cabeça para não vê-la entrar no carro e partir.
Agora terei que aprender a transformar todo o meu amor que sentia por aquela mulher, em um sentimento contrário, para que os dias possam fluir de forma menos dolorosa possível.
Naquele momento brusco a música Antes das Seis do Legião começou a invadir minha mente, indagando os mesmo versos de Renato Russo.

“Quem inventou o amor?
Me explica por favor
Enquanto a vida vai e vem
Você procura achar alguém
Que um dia possa lhe dizer
-Quero ficar só com você
Quem inventou o amor?”

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Mundo Destorcido

Não há mais ninguém para ouvir os meus gritos causados por estas crises malditas.
Olho para as paredes, que até uns meses atrás estavam impecáveis, e sinto falta de quando ainda existia vida naquilo. Agora elas estão mais mórbidas e cheias de palavras rabiscadas por mim.
No começo eu culpava os que haviam me abandonado, mas agora vejo que a culpa sempre foi minha.

Quatro meses atrás mal cabiam meus ‘amigos’ aqui dentro. Era meu aniversário, e no fim da noite, quando já havia desistido de pensar que alguém teria lembrado tal data, eis que abro a porta e deparo-me com todos aqui, amontoados, gritando em meio às bexigas, confetes e serpentinas: “Feliz Aniversário!”
Uma noite inesquecível, com muitos presentes, doces e bebidas. No outro dia sobraram apenas bagunça, sujeira para ser retirada e muita culpa por consumir tantas calorias.
No costume desespero, fui até o banheiro tentando me livrar daquele peso de doces e bebidas, mas lógico, era tarde demais, meu organismo já havia absorvido tudo aquilo e eu me sentia um monstro por isso.
Fiquei 5 dias sem comer nada, só ingerindo o que eu acho que não engorda nunca, água.
Minhas amigas sempre diziam que eu estava exagerando, que tudo aquilo era uma obsessão desnecessária. Mas eu nunca achei isso, eu não acho isso.
Sempre que eu aceitava os convites de meus amigos para badalar, era uma festa, distribuía sorrisos em meio a muitas bebidas. Mas no fim da balada eu estava no banheiro provocando vómitos.
Eu sentia um alívio imenso quando colocava pra fora o que me proporcionara momentos de prazeres alguns minutos ou horas anteriores.
Não queria que ninguém visse tal ato. Mas, infelizmente, na festa de despedida de Otávio, a bocuda da Vívian acabou presenciando meu ‘ritual’, e meu segredo passou a não ser mais segredo.
Desde então todos meus amigos começaram com sermões típicos de quem não está no meu mundo. Eu passei de uma simples condenada a um monstro sem qualificações.
Os convites para as baladas foram diminuindo, os telefonemas também e por fim as visitas.
Hoje vejo que a mistura de anfetaminas com tranquilizantes e bebidas na boate Frison a três meses atrás, proporcionaram uma onda de choque naqueles que julguei serem meus amigos.

Onde está todo o glamour que construí? Fotos, passarelas, viagens, pessoas.
Eu não me isolei, me isolaram, é diferente. É estranho ver tudo tão vazio como eu.
Quebrei todos os espelhos da casa porque não quero ter o desgosto de me ver refletida na realidade, também, quem virá aqui retocar o batom ou ajeitar os cabelos?

Sinto falta de minha mãe. Sei que foi graças a ela que tenho essa neura por beleza, em ser/estar magra. Ela queria que eu fosse uma super modelo, mas infelizmente nunca fui magra o bastante, por isso sempre pousei para estilistas nada famosos e revistas com um pouco de nome, onde você é apenas um rosto e mais nada, ninguém sabe ao menos seu nome.
Me perdoe mãe por ser um amontoado de fracassos. Mas olhe, eu ainda estou me esforçando, estou até anotando a quantidade de calorias que consumo por dia. Sei que a senhora não ficaria feliz de ver que estas anotações estão em todas as paredes, mas assim não tem como fugir da realidade, porque elas estão aqui, na minha frente, diante meus olhos todo o tempo.
Sabia que me recusaram para as fotos na revista La Moda não porque estou gorda, segundo eles estou aparentando estar doente. Mãe, eu não estou doente, eu estou é gorda.

[Choro compulsivo]
Você sempre teve razão mãe, eu não deveria ouvir os outros. Meus falsos amigos diziam que eu estava bem, ou que estava muito magra, mas não, eu sempre estive gorda, e com eles engordei mais ainda. Perdoe-me mãe. Eu não quero mais decepcioná-la, eu não posso mais fazer isso.
Essa semana começarei uma nova dieta. Foi uma garota, uma modelo novata , que me ensinou. Intensificarei também nas anfetaminas, elas ajudam a maldita fome ficar longe de mim.
Não perca as esperanças em mim mãe, eu ainda irei ser uma super modelo e onde você estiver, verá isso.
Eu sei que consigo, porque tenho 19 anos e as portas do mundo da moda ainda não fecharam pra mim.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Real ou Irreal...Um Ponto de Interrogação

Meu coração batia descompassado.
Fazia tempos que não pisava em um palco e olhava do alto a multidão a cantar, pular e se embalar em melodias que fazem as lembranças saltarem de inúmeros lugares.
Parecia que era a primeira vez que iria fazer isso, mas a minha história com a música já tem vários volumes escritos no passado, mas que sobrevivem como um icone do mundo artistico.

Últimos momentos para afinação total dos instrumentos e logo a casa iria começar a lotar de pessoas em busca de um pouco de diversão.
Enquanto espero o momento de abrir o show, fico escrevendo algumas idioticesses que passam por minha mente.
O medo de estragar o projeto daqueles futuros músicos rondava de forma grotesca à minha mente. Estava ali a convite de um dos fundadores da banda, porque a linda dama que comandava aquela legião não poderia, naquela noite, dar o ar de sua graça, com sua voz que parecia desenhar a perfeição no ar.
Então aceitei - em ensaios que duraram horas - por aquela noite, emprestar minha cansada voz e um pouco das habilidades de minhas mãos com alguns instrumentos.

Eu só pensava: 'Não vá estragar tudo! Não vá acabar com anos de luta em uma noite!'

- Uhull, a casa está lotada!!! Hoje vamos arrebentar!!!!
O som eletrônico já fazia algumas pessoas balançarem o corpo.
Fechei os olhos, respirei fundo e tentei me distrair com a conversa do grupo ou com o trance que batia dentro da casa.

- Você esta bem?
- Ah lógico, só estou nervosa, aliás é muita responsabilidade que vocês depositaram em mim. Espero não decepcionar.
- Imagina, por isso você foi nossa escolha para estar aqui nessa noite. Não se preocupe, vai dar tudo certo. Termine de ficar mais linda porque daqui a pouco vamos subir naquele palco e fazer a galera ir ao delírio.
J. era realmente o mais animado da turma. Sempre com suas baquetas nas mãos, ele arrancava gargalhadas de todos.

Continuei a me maquiar e a imaginar cenas que não saiam de minha cabeça.
Levantei para conferir o figurino e a 'platéia' apladiu e assobios foram dados à mim.
Começei a rir para não mostrar o quão sem graça fiquei.
- Obrigada rapazes pelo incentivo. Afinal acho que chamarei mais a atenção do que todos vocês reunidos. Sinto muito, mas até as garotas perderam mais tempo olhando pra mim do que para vocês.
Risadas e mais risadas.

- Vejo que estão todos descontraidos, então preparam-se que daqui 20 minutos vocês vão subir naquele palco e detonar.
Meu sorriso sumiu e no lugar ficou aquele silêncio.

Trabalhos para 'aquecer' a voz, alguns se alongando, uns meditando e antes do chamado um abraço coletivo e o grito de guerra da banda.

Entro no palco com o pé direito.
As luzes ascendem e a galera grita e aplaude.
Se alguém pudesse ouvir ou sentir meu coração naquele instante, iria se espantar.

- Primeiramente boa noite a todos que vieram nos prestigiar esta noite. Sei que muitos que conhecem a banda devem estar perguntando: Cadê a lindíssima da Michelle? Bom, infelizmente, hoje a nossa dama não estará presente, então tentarei fazer o melhor para que essa noite torne-se inesquecível para todos aqui presentes.

Durante aquelas duas horas e meia dentro de um mundo que eu nunca deveria ter deixado, transformei contos em realidade, colori cada pedacinho negro que havia dentro de mim, e no final todos conseguiam enxergar um sorriso infantil em meus lábios, enquanto meus personagens favoritos aplaudiam calorosamente aquela 'peça' musical.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Disparidades

“Aquela nunca fora minha terra”!
Era somente isso que passava na porcaria da minha tumultuada mente no caminho para o purgatório.
Peraí, ou seria “aquela nunca foi a minha terra”?
Ah, foda-se as concordâncias, regras e patamares lingüísticos.
O tédio e a ansiedade ganhavam um peso cada vez mais dolorido, a cada novo quilômetro rodado.
“Por que raios a matriarca da família tinha que morrer?”
Que idiotice estou pensando agora? Lógico que todos nós um dia temos que fechar os olhos para sempre. Então é melhor eu mudar o meu pensamento.
“Por que raios a matriarca tinha que escolher viver até ontem naquela maldita cidade?”
Agora sim, concordo com esse pensamento que não é tão estúpido quanto ao outro.
Os poucos parentes que resolveram ficar na cidade pré-histórica, pensavam e agiam como tais seres. Por isso dei desculpas esfarrapadas para não comparecer ao casamento da prima Solange e do primo Oswaldo – nomes bregas, mas que combinam perfeitamente com os dois. Mas como eu iria me safar de um velório, de alguém tão importante na família? – ou seria “da família”?
Ahh, malditas regras parem de ocupar totalmente minha mente. Já tenho que pensar no que dizer a todos aqueles parentes dinossauros sobre a minha vida na ‘cidade grande’, e vocês, regras ainda resolvem tomar um pouco do meu espaço cerebral??
“Calma, respire fundo, vai dar tudo certo!”
Foram as últimas palavras de Anderson acompanhadas de um longo beijo, que consegui traduzir como um “boa sorte nessa desgraça toda”! Preferi não ‘dar ouvidos’ a minha interpretação, por isso só olhei pra ele e sorri. E agora estou aqui pensando por que não lhe disse o que estava pensando?
‘Tarde demais’, é o que a placa traduzia naqueles terríveis 10 quilômetros restantes.
Antes de deixar a rodovia principal e entrar naquela estradinha para o inferno, parei o carro no acostamento, olhei no retrovisor, ajeitei o cabelo, dei uns tapinhas na cara para melhorar a expressão e finalmente respirei fundo.
Era só eu manter a postura e tudo terminaria como começou, mudo, surdo e inerte.
Quase dez anos sem retornar à cidade que ouviu meu primeiro berro e parece que nada ali havia mudado. Podia até sentir o cheiro de naftalina no ar.
Vira a direita, depois a próxima à esquerda, continua reto, conta três ruas e pronto, cemitério da cidade. Acho que não preciso dizer que é o único da cidade. Em quase uma década de minha ausência, aquele ‘dormitório dos mortos’ deve ter notado movimento umas 4 ou 5 vezes.
“Respire fundo”!
“Tá bom Anderson, agora pare de ficar martelando isso na minha mente”.
Isso era para ficar no meu pensamento e não sair pela minha boca. Abaixo a cabeça como se estivesse muito triste, mas na verdade queria enfiar minha cabeça em um imenso buraco.
Mal entro naquele mausoléu e já ouço um grito estridente misturado com um nariz entupido de tanto chorar, seria uma autêntica ‘fanha estridental’.
- Oh meu Deus, não acredito no que meus olhos estão enxergando.
“Nem os meus. Por Deus como você engordou prima Germana”
- Dessa vez não tinha como prima, eu tinha que vir, deixei projetos importantíssimos para trás, mas...
Disfarcei uma lágrima no canto do olho direito, o que eu não deveria ter feito. A prima Germana, com toda aquela gordura despencou sobre mim num choro incontrolável.
Pronto, agora todos os olhares estavam em nossa direção.
Senti-me nesse instante como numa tourada, eu com um pedaço de pano vermelho, enquanto as porteiras eram abertas e os touros saiam bufando de seus cubículos.
Primas e primos, tias e tios, tias-avós e mais umas vertentes que não sei de onde saíram.
Cada um querendo minha atenção, uns com inúmeras perguntas outros com as frases pré-moldadas: “Nossa como você mudou”. “Os anos parecem não ter passado pra você”
Sim, disparidades, mas existentes em uma mesma família.
A única que poderia me salvar daquele sufoco era a velha matriarca que nada mais falava. Demonstrando comoção, fui para perto do caixão e fingi que estava orando pela sua pobre alma. Mas era óbvio que não conseguiria fingir tantas orações até à hora do sepultamento. Então, como um trovão que ‘quebra’ o silêncio de uma calma noite de primavera, a voz do primo Fausto ecoou pelo salão.
- Então Frederico, não trouxe sua namorada?
“Respire fundo”! Mais uma vez a voz de Anderson gritou em minha mente.
- Não, eu estou solteiro no momento!
- Oras, mas e essa aliança que julgo ser de compromisso em seu dedo anelar?
Puta que pariu!!! Como fui esquecer de retirar aquela aliança do meu dedo.
Olhei pra ela como se esperasse uma resposta DELA sobre aquela desagradável cena.
- É que nos separamos têm poucos dias, e na verdade não consegui esquecê-la.
- Nossa me perdoe, que chato. Espero que vocês reatem. E que você possa trazê-la aqui e nos apresentá-la, afinal não queremos conhecê-la somente no dia do seu casamento.
Olhei para minha querida defunta e rezei com todas as minhas forças para que ela fosse enterrada logo.
Entre quitutes e sucos para refrescar aquela tarde infernal, chegou o momento de enterrar de vez àquela que foi a voz da família por anos. Entre lágrimas e alguns escândalos, eis a hora do ultimo adeus. Alguns beijam suas mãos, outros a testa, uns colocam rosas já murchas sobre seu corpo inerte. Quando percebi que o último parente havia deixado seu adeus, cheguei perto do caixão e fingindo que ia beijar sua face disse baixinho ao seu ouvido:
- Você tinha razão, eu sou gay!
E fingindo enxugar as lágrimas, observei a tampa do caixão ser lacrada, e aquele ‘caixote’ descer os sete palmos de terra.
Com a alma lavada, despedi de todos os padrões morais daquela sociedade e voltei ouvindo Vanilla no último volume.