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quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Disparidades

“Aquela nunca fora minha terra”!
Era somente isso que passava na porcaria da minha tumultuada mente no caminho para o purgatório.
Peraí, ou seria “aquela nunca foi a minha terra”?
Ah, foda-se as concordâncias, regras e patamares lingüísticos.
O tédio e a ansiedade ganhavam um peso cada vez mais dolorido, a cada novo quilômetro rodado.
“Por que raios a matriarca da família tinha que morrer?”
Que idiotice estou pensando agora? Lógico que todos nós um dia temos que fechar os olhos para sempre. Então é melhor eu mudar o meu pensamento.
“Por que raios a matriarca tinha que escolher viver até ontem naquela maldita cidade?”
Agora sim, concordo com esse pensamento que não é tão estúpido quanto ao outro.
Os poucos parentes que resolveram ficar na cidade pré-histórica, pensavam e agiam como tais seres. Por isso dei desculpas esfarrapadas para não comparecer ao casamento da prima Solange e do primo Oswaldo – nomes bregas, mas que combinam perfeitamente com os dois. Mas como eu iria me safar de um velório, de alguém tão importante na família? – ou seria “da família”?
Ahh, malditas regras parem de ocupar totalmente minha mente. Já tenho que pensar no que dizer a todos aqueles parentes dinossauros sobre a minha vida na ‘cidade grande’, e vocês, regras ainda resolvem tomar um pouco do meu espaço cerebral??
“Calma, respire fundo, vai dar tudo certo!”
Foram as últimas palavras de Anderson acompanhadas de um longo beijo, que consegui traduzir como um “boa sorte nessa desgraça toda”! Preferi não ‘dar ouvidos’ a minha interpretação, por isso só olhei pra ele e sorri. E agora estou aqui pensando por que não lhe disse o que estava pensando?
‘Tarde demais’, é o que a placa traduzia naqueles terríveis 10 quilômetros restantes.
Antes de deixar a rodovia principal e entrar naquela estradinha para o inferno, parei o carro no acostamento, olhei no retrovisor, ajeitei o cabelo, dei uns tapinhas na cara para melhorar a expressão e finalmente respirei fundo.
Era só eu manter a postura e tudo terminaria como começou, mudo, surdo e inerte.
Quase dez anos sem retornar à cidade que ouviu meu primeiro berro e parece que nada ali havia mudado. Podia até sentir o cheiro de naftalina no ar.
Vira a direita, depois a próxima à esquerda, continua reto, conta três ruas e pronto, cemitério da cidade. Acho que não preciso dizer que é o único da cidade. Em quase uma década de minha ausência, aquele ‘dormitório dos mortos’ deve ter notado movimento umas 4 ou 5 vezes.
“Respire fundo”!
“Tá bom Anderson, agora pare de ficar martelando isso na minha mente”.
Isso era para ficar no meu pensamento e não sair pela minha boca. Abaixo a cabeça como se estivesse muito triste, mas na verdade queria enfiar minha cabeça em um imenso buraco.
Mal entro naquele mausoléu e já ouço um grito estridente misturado com um nariz entupido de tanto chorar, seria uma autêntica ‘fanha estridental’.
- Oh meu Deus, não acredito no que meus olhos estão enxergando.
“Nem os meus. Por Deus como você engordou prima Germana”
- Dessa vez não tinha como prima, eu tinha que vir, deixei projetos importantíssimos para trás, mas...
Disfarcei uma lágrima no canto do olho direito, o que eu não deveria ter feito. A prima Germana, com toda aquela gordura despencou sobre mim num choro incontrolável.
Pronto, agora todos os olhares estavam em nossa direção.
Senti-me nesse instante como numa tourada, eu com um pedaço de pano vermelho, enquanto as porteiras eram abertas e os touros saiam bufando de seus cubículos.
Primas e primos, tias e tios, tias-avós e mais umas vertentes que não sei de onde saíram.
Cada um querendo minha atenção, uns com inúmeras perguntas outros com as frases pré-moldadas: “Nossa como você mudou”. “Os anos parecem não ter passado pra você”
Sim, disparidades, mas existentes em uma mesma família.
A única que poderia me salvar daquele sufoco era a velha matriarca que nada mais falava. Demonstrando comoção, fui para perto do caixão e fingi que estava orando pela sua pobre alma. Mas era óbvio que não conseguiria fingir tantas orações até à hora do sepultamento. Então, como um trovão que ‘quebra’ o silêncio de uma calma noite de primavera, a voz do primo Fausto ecoou pelo salão.
- Então Frederico, não trouxe sua namorada?
“Respire fundo”! Mais uma vez a voz de Anderson gritou em minha mente.
- Não, eu estou solteiro no momento!
- Oras, mas e essa aliança que julgo ser de compromisso em seu dedo anelar?
Puta que pariu!!! Como fui esquecer de retirar aquela aliança do meu dedo.
Olhei pra ela como se esperasse uma resposta DELA sobre aquela desagradável cena.
- É que nos separamos têm poucos dias, e na verdade não consegui esquecê-la.
- Nossa me perdoe, que chato. Espero que vocês reatem. E que você possa trazê-la aqui e nos apresentá-la, afinal não queremos conhecê-la somente no dia do seu casamento.
Olhei para minha querida defunta e rezei com todas as minhas forças para que ela fosse enterrada logo.
Entre quitutes e sucos para refrescar aquela tarde infernal, chegou o momento de enterrar de vez àquela que foi a voz da família por anos. Entre lágrimas e alguns escândalos, eis a hora do ultimo adeus. Alguns beijam suas mãos, outros a testa, uns colocam rosas já murchas sobre seu corpo inerte. Quando percebi que o último parente havia deixado seu adeus, cheguei perto do caixão e fingindo que ia beijar sua face disse baixinho ao seu ouvido:
- Você tinha razão, eu sou gay!
E fingindo enxugar as lágrimas, observei a tampa do caixão ser lacrada, e aquele ‘caixote’ descer os sete palmos de terra.
Com a alma lavada, despedi de todos os padrões morais daquela sociedade e voltei ouvindo Vanilla no último volume.

6 comentários:

Anônimo disse...

te amo

sem tempo

Anônimo disse...

Fico pensando, como vc consegue ter sensibilidade para escrever sobre diversos assuntos?
Como vc consegue ser tão versátil?

Aliás, qdo vamos tocar piano juntos novamente? =)

amu tu , tatu. heueeuheueheu

Unknown disse...

Nossa, realmente. Concordo com o Félix. Como vc consegue falar de assuntos tão diferentes com tanta naturalidade e destreza?
Vc tem o dom da escrita.

Bjos, danone!

Anônimo disse...

É só uma sugestão, mas acho que deveria escrever mais sobre você, por aqui...

Dany Lynn disse...

oh linda Cy..amei a sugestão...Mas ainda não escrevi nada sobre mim aqui. Talvez qdo eu estiver preparada eu escreva...começarei com um pouco de realidade e depois passe a ser 100% real. Mas por enqto ficarei nos contos (amo eles), desafiando as palavras de mundos paralelos ao meus.
Espero q esse medo desapareça logo, e assim possa surgir palavras do meu dia-a-dia.
Obrigada pela visita de todos aqui.

kati, para os íntimos disse...

sabe linda

momentos como esses
de retornar ao passado
e as hipocrisias que ele carrega de pessoas que vc quer distância...
O amor cego...
O desespero da descoberta....

naum sei como
vc consegue retratar muito de mim...
mesmo q não seja ao pé da letra chega no meu coraçãoo.