Minha lista de blogs

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O Amargo gosto do Doce Veneno

O barman recusava-se a servir mais uma dose de uísque para Paulo, alegando que o nível alcoólico dele já estava 'nas alturas', que o mais viável era que alguém viesse buscá-lo, porque ele não tinha nenhuma condição de dirigir.
Silas, era barman de um Pub frequentado por executivos, trabalhadores engravatados e mulheres de padrão monumental durante a semana inteira, exceto nas segundas-feiras.
Paulo já era bem conhecido por aquelas mesas e balcões, com um copo de uísque, a gravata afrouxada e uma expressão de cansaço e tristeza. Não era de muitos amigos. Uns ou outros iam trocar algumas palavras com ele, e este respondia com pouco interesse.
Ele ficava ali , sentado, com os olhares perdidos nas mesas que ficavam do lado de fora do Pub.
Silas sempre desconfiara o que ele olhava, mas nunca se atrevera a perguntar. E no seu silêncio Paulo se afogava na bebida. Quem sempre ia salvá-lo de um desastre automobilístico era seu primo Tadeu. Esse sim, Silas admirava. Porque era o único que olhava o pobre do Paulo caído no balcão não com olhos de reprovação, mas com um olhar que talvez soubesse o porque de tanta dor.
Ele juntamente com sua esposa, que sempre mostrava-se apática com a situação, levavam aquele homem que para Silas, tinha muito a dizer, mas preferia se calar.

Por uma semana seguida Paulo não apareceu no Pub. Silas tentou obter alguma informação sobre seu paradeiro, mas as respostas eram sempre evasivas. As pessoas simplesmente não se importavam umas com as outras naquele ambiente, onde o dinheiro sempre falava mais alto.
E por uma semana Paulo não apareceu, nem no Pub e nem no prédio em que trabalhava, que ficava bem à frente do bar.
Mal sabia, que em meio a seu silêncio constante, Paulo tinha um amigo, que controlava seus excessos, que ligava para seu primo para que ele chegasse bem em casa. Silas não sabia se ele era casado, quantos filhos tinha, se era feliz ( a aparência facial deixava transparecer que não), e o que tanto lhe atraía nas mesas exteriores do Pub, e o porque ele não ia até lá. O que o impedia?
Assim Silas ficava observando tudo como um filme em que os personagens não se interagiam.

Após uma semana de total ausência, Paulo aparece no final de seu expediente, com uma aparência abatida e com uma tristeza estampada em seu rosto.
Sentou-no juntamente ao balcão e pediu uma dose de uísque, mas dessa vez sem gelo. Silas estranhou o pedido, porque Paulo sempre pedia 'por favor, o perfeito com 3 pedras', e Silas trazia uma dose de uísque com 3 pedras de gelo. Sem contestar ele atendeu o pedido.
E quase num gole só o liquido amarelado desceu garganta adentro de Paulo.
Sacudindo a cabeça ele olhou para as mesas externas, uma lágrima começou a escorrer.
- Sabe Silas, eu frequento aqui a mais de 3 anos e trocamos algumas palavras, como troquei algumas raras com pouquíssimas pessoas, mas hoje o meu maior remorcio é não ter levantado dessa porcaria de banco e ter ido até uma mesa ali fora, numa frequência de uma vez por semana. Se eu tivesse feito isso talvez teria feito a diferença. Mas agora é tarde demais Silas. Agora não faz mais diferença.
- Que isso Sr. Paulo, há tempo pra tudo, nunca é tarde. Se não tem como o Sr. fazer isso hoje, faça amanhã, ou depois, ou até que essa pessoa apareça. Bom, creio que o Sr. esteja se referindo a uma pessoa, estou correto?
- Sim Silas, uma pessoa magnífica. Alguém que se escondia atrás de seus temores com medo de mostrar para o mundo o seu verdadeiro potencial, talvez porque disseram algum dia para ela que ela não era capaz de tal coisa, ou porque ela vivia num mundo muito além do nosso. Consegue me compreender Silas?
- Bom Sr. Paulo, sei que existem muitas pessoas que não acreditam em seus próprios potenciais, mas isso se for trabalhado, com calma poderá dar belos frutos. Talvez essa pessoa só necessite de pessoas como o Sr. cheguem até a ela, e comecem a mostrá-la seus potenciais, porque isso está dentro de cada, as vezes precisamos só de um pouco de atenção.
Foi nesse exato momento que Paulo deixou-se debruçar no balcão e as lágrimas não puderam ser contidas.
Paulo chorava pelo remorcio de nunca ter dado uns passos a mais e sentado junto àquela que ele cortejava à cerca de 2 anos.
Ela sempre tentando passar despercebida por todos, com a cabeça baixa, com suas roupas pretas e um jeito peculiar de levar o cigarro até a boca. E ele sempre observando ela, concentrada em seu trabalho, ou então nos intervalos, debruçada na ala dos fumantes do departamento e uma vez por semana ela sentava na mesa mais isolada do Pub para ler livros que com certeza contavam histórias que ela sonhava um dia pertencer.
Mas agora era tarde! Mariana havia deixado aquele mundo a exatamente uma semana, e durante esses sete dias Paulo chorou por cada dia que ele teve a oportunidade de salvar Mariana e não fez de pura covardia.
- Acho que o Sr. precisa de mais uma dose para acalmar.
- Não Silas, o que eu realmente precisava agora não tenho mais, então doses não me satisfazem mais. Antes ficava aqui, sentado, bebendo, tentando ao menos ter coragem, hoje não tenho mais motivos para estar aqui. Hoje deitarei com minha amada.
Paulo deu as costas e Silas teve a certeza de que jamais veria Paulo novamente.

5 comentários:

kati, para os íntimos disse...

Mew
como tu consegue escrever coisas assim?!

Lynn!!!!!!!!
Linda!
pois é
Impulsividade até q não é tão ruim.
Queria eu ter coragem!
Coisa q eu naum tenho!

Paulos... sempre estão ai e ninguém vê...

Unknown disse...

Cacete... Não consigo nem encontrar palavras agora... Estou até arrepiado. Talvez tenha me tocado tanto pelo fato de toda minha vida eu não querer agir como o Paulo. Por sempre querer faz a diferença, por sempre tentar ajudar ao máximo. Mas a vida me provou que nem sempre isso dá os frutos esperados.
Dany, estou completamente... Não sei nem a palavra certa... Tocado? Impressionado? Talvez uma mistura dessas coisas.
Enquanto espero outro conto seu, ficarei aqui curtindo minha ressaca moral e repensando umas coisas.
Como sempre, adoro o que vc escreve.
Bjos, Dany

Anônimo disse...

Passar aqui e ver que existem novas palavras de amores, dores, ironias, alergias (a essa você ainda não postou), alegrias é viajar sem sair dessa sala de escritorio que encontro-me nesse instante.

Gostei da frase da úcia, especial e fascinante:
'Paulos... sempre estão ai e ninguém vê...'

como Marianas tb.
Será que me encaixo na covardia do Paulo?
Qdo olho nos seus olhos percebo que sim
(ta vendo o que suas palavras fazem um amante da sua literatura dizer)

bjao

Daniela Andrade disse...

quanto pesar.

linda lynn, conto novo no blog hoje. o meu favorito de todos os tempos.

=***

Anônimo disse...

O Paulo creio q amava a mariana...
Como são as coisas..
Tudo está perto de nós
nossa saída...
Mas por medo. falta de coragem de levar um não ou até mesmo a dúvida.
Dúvida q me consome.
Com certeza vou me arrepender e tb me arrependeria de ter tentando.
Mas a vida não é só feita de escolhas.
é feita de sorte em suas escolhas.

Minha melhor escolha
foi ver seu orkut e falar contigo e persistir...

Te amo!