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sábado, 11 de agosto de 2007

Doce Veneno das Diferenças

O único barulho que ela sempre ouvia todos os dias ao chegar naquele cubículo que insistiam em chamar de apê era o do molho de chaves caindo sobre a mesa.
Mariana deixava sempre seu corpo cair sobre o sofá, que por incrível que pareça transformava-se em um sofá cama.
O cansaço tomava conta de cada canto de seu corpo. Era assim todos os dias, claro, tirando os sábados e domingos, que eram iguais a todos os outros sábados e domingos de sua vida naquela cidade.
Claro que morando sozinha a 3 anos ela não precisava de um lugar maior. Aquela kitnet era suficente. Uma sala conjugada com uma cozinha que ela mesma dizia não ser uma cozinha e sim uma coisinha, uma lavanderia que cabia ela e nem mais um gatinho e lógico, a suite. Ahhh, a imensidão de um quarto que não era considerado quarto, com uma cama, um pequeno guarda-roupa uma minúscula escrivaninha que só cabia seu notebook e uma luminária e um banheiro que comportava só ela, um espelho e seus comprimidos.
Ela sempre pensava em se mudar daquele cubículo, mas já era dolorido ver tantas paredes, tantos espaços vazios. Por isso Mariana ainda permanecia ali, com sua rotina casa-trabalho-casa. No fim de semana, supermercado-casa-tv-muito cigarro-bebida-cama-notebook e lá se ia o domingo.
No departamento em que ela trabalhava existiam cerca de 50 funcionários. Todos andando pra lá e pra cá o tempo todo, sentando e levantando de seus guichês com pilhas de papéis ou apenas para mostrar a sensualidade de uma saia ou um decote novo, ou de uma gravata importada combinando com um sapato de 350 reais. Enquanto Mariana evitava o máximo não levantar, para que ninguem percebesse o seu tubinho preto, ou então seu conjunto pretinho básico para sempre disfarçar suas gordurinhas, para não falar poças de banhas acumuladas pelos culotes, braços e todo o resto do corpo.
Ela odiava ver aquelas mulheres esbeltas passeando pelo departamento, enquanto os homens, maravilhosos, giravam suas cadeiras e comentavam com mais meia dúzia de beldades, e elas lógico, soltavam aquela risadinha que ela simplesmente odiava.
Mariana chegava a ter pensamentos insanos, como desfigurando aquelas loiras, morenas e ruivas com corpos esbeltos, pernas torneadas, seios pulando em decotes. Sua ira era transpassada pelos lápis que ela vivia quebrando.

Mais uma segunda. Mais um dia de ressaca.
- Meus Deus Mariana você fuma demais, essa sua ansiedade é que não lhe deixa emagrecer.
Essa era uma das morenas esbeltas que Mariana queria desfigurar ou então jogar daquele 12º andar.
- Talvez seja mesmo Andréa, mas são prazeres que não largo por nenhuma tortura em academias.
- Talvez se você fizesse um esforço não estaria solteira.
Mariana quase comeu o cigarro naquele instante. Ao fundo pôde ouvir as risadinhas infames de Andréa e Cia.
Na verdade ela queria um buraco para enfiar a cabeça. Ser um avestruz. Mas pensou: Avestruz gorda??? Isso não existe. Lembrou das inúmeras dietas que fez, experimentou e que jamais surtiram efeito, então havia uma explicação: maldita GENÉTICA!!! Sim, sua mãe é gorda, sua avó era gorda, a mãe de sua vó era gorda.
Em meio a sua árvore genealógica, ouviu o chamado do seu chefe, mas uma reunião, mas uma inutilidade.
Uma hora e 25 minutos depois de metas e mais metas a serem cumpridas a tortura acaba, Mariana guardando toda a parafernalha vê o grupinho de Andréa olhando e soltando gargalhadas. Ela suspirou fundo, sim aquele seria um daqueles dias muito difícies.
O restante do expediente não rendeu mais nada para Mariana, que trancada no banheiro esperou todos deixarem o departamento. Pegou suas coisas, entrou no elevador onde um casal de 'gostosões' se beijavam, estava tão trêmula que mal conseguia abrir a porta de seu carro.
No caminho ela pensava que não podia beber, afinal era segunda e amanhã seria um dia cheio. Metas, metas, metas!!!!
Fodam-se as metas. foi a ultima coisa que ela pensou antes de estacionar o carro em um supermercado. Abasteceu o carrinho com muita vodca, uisque, cerveja e cigarros.

Dessa vez o 1º barrulho a ser ouvido não foi o do molho de chaves tocando a mesa e sim os das garrafas batendo uma nas outras.
- Já que não tem ninguem pra brindar comigo, brindo sozinha.
Mariana destacou todos os seus antidepressivos das cartelas, todos seus ansioliticos. E com essa mistura bebeu até apagar completamente.

- Andréa, o que está acontecendo??? Porque estão nos mandando pra casa?
- Ai, como sempre você é a última a saber Jú. A Mariana, se matou.
- Como assim? Meu Deus!!!! Se matou, mas por que?? Que motivos ela tinha pra isso???
- E eu que vou saber??? Deve ser porque ela era infeliz com seu corpo e tal, sei la.
- E o que ela fez??
- Misturou bebidas com remedios, esses antidepressivos e tarjas pretas. Bom, foram o que me disseram. Agora estamos dois dias dispensados.
- Ela tomava esses tipos de remédios??? Jamais desconfiaria.
- É mesmo Jú??? E eu jamais desconfiaria da primeira vez que a vi que você era tão burra.
Mas tirando essa sua falta de neurônio temos que fazer uma "média" e ir no enterro e curtir esses dois dias de "folga". Aliás, ninguém aqui na repartição tá afim de se matar não hein? É que quero colocar silicone e o chefão não quer liberar e esperar mais 6 meses para minhas férias não dá né......

8 comentários:

Anônimo disse...

Fico pensando como uma pessoa com um talento tão apurado como o seu fica trancado entre tecnologia uma cama e uma cachorra com nome de Lady!!! RS!
Que bom que voltou para o mundo petico de um mundo transtornado!

bjao

Anônimo disse...

Correções:

...fica trancada (alias a senhorita fez aquela cirurgia de mudança de sexo a 3 meses)...
Ta eu sei que existem virgulas, então lá vai a correçao:...entre tecnologia, uma cama...

...voltou para o mundo poético (petico?? o que seria isso??? haha. iventei agora a pouco)

Vc sabe muito bem que todos esses erros foram propositais, só pra que eu pudesse postar mais uma vez :P

Anônimo disse...

ando me sentindo bem mariana ultimamente... nem preciso dizer que amei seu texto né?
parabéns!
;*

Daniela Andrade disse...

mas hein...sua mariana teve um desfecho tão triste...sei como é isso...morte em vida. é meu próximo conto no blog.

queria que você desse uma olhada no meu fotolog. ouvi uma música do ira que podia ser o desfecho da minha mariana. vai lá, se der.

http://www.fotolog.com/blue_writer_girl

te adoro!
=***

Anônimo disse...

Nussa
hoje consegui comentar
Linda
naum comentei antes pq naum conseguia!
Tah?!

Ai
EU te falei né?
Conto perfeito e é a minha cara.
Tomara q eu naum tenha o mesmo fim.
Ai linda!
Amo-te
SEMPRE SEMPRE

bjuuuuuuuuu

Unknown disse...

Nossa, Dany... Não consigo nem colocar em palavras a perfeição do seu texto, a descrição da situação. Não poderia ser mais real. Qualquer um que tenha passado por uma espécie de bulling sabe como é isso. Esse texto me trouxe várias memórias, algumas boa e outras não. Não estou dizendo que fiquei triste ao ler esse texto, pelo contrário. Agora, estou tendo mais coragem para enfrentar meus demônios internos e me impor sobre eles. Vai ser uma tarefa demorada e nada fácil de ser completada, mas não vou desistir tão fácil. Espero que saiba que você me ajudou muito nisso a um tempão atrás. Coisas que demoraram para surtir efeito sobre mim por causa da minha teimosia inata, mas funcionaram.
É engraçado como pude sentir o que a Mariana sentia. E muitas vezes pensei em terminar como ela.
O que quero dizer é que, como sempre, seus escritos mexem comigo e me fazem pensar, o que é muito bom.
Já está favoritada e estarei sempre "bizóiando" atualizações.

Bjos

Anônimo disse...

É isso aí! Os "normais" não compreendem. Sorte deles.
Pena que eles são tão patéticos.

Anônimo disse...

Ah, claro! Não devo esquecer de dizer que é muito bom este conto, e que eu te amo.

Beijo.